Abaixo-assinado dos moradores e amigos do bairro de Laranjeiras e região contra a violência de Estado praticada na noite de 11 de julho de 2013
Para: Presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro
Nós, moradores e amigos do bairro de Laranjeiras e região, infelizmente acostumados a acordar de manhã com o barulho dos helicópteros do governador e dos empresários com quem ele faz negócios - além do terrível canto do BOPE em treinamento que diz que sua missão é "entrar na favela e deixar corpo no chão" - na noite de 11 de julho de 2013 ouvimos outros barulhos... Barulhos que, ao invés de nos acordar, não nos deixaram dormir. Bombas de gás lacrimogênio e de efeito moral, sirenes e helicópteros que não cessaram até meia noite. Gritos de jovens acuados em ruas, em prédios, em bares. Gritos de surpresa e de horror. Nós moradores e amigos, nossas crianças e nossos idosos, não conseguimos dormir, por causa da violência do Estado contra os cidadãos.
Foram cerca de quatro horas de terror. Na nossa região, tudo começou com uma passeata do Largo do Machado ao Palácio Guanabara. Na Rua Pinheiro Machado, teoricamente por conta do lançamento de um morteiro, dezenas de policiais do Batalhão de Choque e de outras unidades da Polícia Militar iniciaram uma ofensiva violenta contra os manifestantes.
Bombas de gás foram lançadas, inclusive dentro de uma clínica de saúde particular, onde algumas pessoas se refugiaram. Bombas de efeito moral e balas de borracha atiradas à queima-roupa feriram dezenas de manifestantes e transeuntes. As pessoas fugiam e eram caçadas em todas as ruas da região. Do Aterro do Flamengo e da Praia de Botafogo ao Palácio não houve um espaço onde as pessoas pudessem se refugiar da violência praticada pelo Estado. Na Praça São Salvador e na Rua Paissandu, bombas foram lançadas em jardins, dentro das casas e de portarias de prédios, crianças dormindo ficaram intoxicadas com o gás que subia até andares muito altos. Senhores de idade, dentro de um bar na Praça também foram intoxicados. Muitos jovens, rendidos e deitados no chão, foram pisoteados por policiais do Batalhão de Choque na Rua Senador Correia. Mais de 20 jovens foram detidos e levados à delegacia em um micro ônibus, pois em viaturas comuns não cabia tanta gente. Carros não identificados circularam pela região atirando bombas de gás e balas de borracha. Jornalistas da imprensa independente e representantes de organizações da sociedade civil foram atacados para não poderem divulgar o que estava acontecendo. Tudo está documentado em textos, fotos e vídeos que circulam na internet.
Para nossa região, tudo isso é novo e surpreendente. Mas nós, moradores e amigos, sabemos que a violência de Estado é promovida todos os dias, em níveis ainda mais bárbaros em favelas e comunidade pobres de nossa cidade e do nosso Estado. Na favela as balas não são de borracha, como demonstrou o massacre ocorrido na noite de 24 de junho na Maré. Foram 9 mortos em ação da Polícia que começou após uma manifestação na Avenida Brasil.
Entendemos que é nosso dever denunciar o que ocorreu em nossa região. E é também nosso dever denunciar o que vem ocorrendo há muitos anos em nossa cidade. Os direitos à livre manifestação, de ir e vir, de se reunir para protestar ou festejar foram usurpados pelo governo do Estado e pelo comando da Polícia Militar. Em cada manifestação desde o mês de junho o que vemos é um toque de recolher não declarado. A Polícia caça manifestantes e transeuntes pelas ruas até que não sobre mais ninguém no espaço público. Não são ações para prender e impedir atos de “baderneiros” ou “arruaceiros”, como nos tenta fazer crer a mídia corporativa. É uma ação deliberada de esvaziamento do espaço público. No dia 11 de julho foi em nossa região.
Nossa região é conhecida pela democracia na ocupação do espaço público. Em nossa região as festas e congraçamentos ocorrem nas praças, nas feiras livres. Em nossa região as crianças, adultos e idosos podem se divertir e conviver em paz. Nossa região foi silenciada e esvaziada pela violência de Estado na noite de 11 de julho.
Por tudo isso, vimos a público demonstrar nossa indignação. Vimos a público denunciar as arbitrariedades e ilegalidades do governo do Estado e da Polícia Militar. E além de denunciar, exigimos das autoridades competentes:
- AVERIGUAÇÃO DAS ARBITRARIEDADES POLICIAIS COMETIDAS NO DIA 11 DE JULHO A PARTIR DA FORMAÇÃO DE UMA COMISSÃO COM REPRESENTANTES DA SOCIEDADE CIVIL E COM PRAZO PARA PRODUÇÃO DE UM RELATÓRIO COM OS RESULTADOS DAS AVERIGUAÇÕES;
- DIVULGAÇÃO DOS NÚMEROS DE DETIDOS, PRESOS E FERIDOS EM NOSSA CIDADE E ESTADO. ANISTIA DE TODOS OS PRESOS DESDE O COMEÇO DAS MANIFESTAÇÕES DE JUNHO.
- FIM DO ESTADO DE EXCEÇÃO! FIM DA REPRESSÃO POLICIAL AOS MOVIMENTOS, PROTESTOS E MANIFESTAÇÕES DEMOCRÁTICAS. FIM DAS PERSEGUIÇÕES AOS MANIFESTANTES. A MESMA POLÍCIA QUE REPRIME AS MANIFESTAÇÕES É A QUE MATA NA FAVELA!
- FORA CABRAL E BELTRAME! EXONERAÇÃO IMEDIATA DO SECRETÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA.
- DESMILITARIZAÇÃO DA POLÍCIA E REFORMA DAS POLÍCIAS! PELO FIM DO APARELHO REPRESSIVO ESTATAL E DA UTILIZAÇÃO DE ARMAMENTOS, INCLUSIVE OS DE BAIXA LETALIDADE, NA REPRESSÃO A MANIFESTANTES.
Laranjeiras e região não vão se calar. Nossos bairros não vão mais deixar de dormir pela violência de Estado.
Nossos bairros estão acordados na luta pelo direito de seus moradores e de toda a sociedade.