Pobreza não é crime: tirem os programas policialescos do horário nobre
Para: Sociedade civil, Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) Ministério da Cultura (MinC), Secretária do Audiovisual, Ministério Público Federal (MPF), Supremo Tribunal Federal (STF), Tribunais de Justiça Estaduais e Tribunais Regionais Federais Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) Congresso Nacional Câmara dos Deputados Senado Federal Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Educafro Geledés - Instituto da Mulher Negra, Uniafro, Anistia Internacional, Human Rights Watch, Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV....
Os Programas Policialescos e os Riscos à Democracia Soberana
Os programas policialescos, populares nas grades da televisão aberta brasileira, representam um fenômeno midiático que extrapola o mero entretenimento sensacionalista e passa a operar como um instrumento de deformação da consciência pública. Sua existência e proliferação em horários nobres da televisão não são neutras: estão imbricadas em uma lógica de controle social, desinformação e manutenção de estruturas desiguais.
Em uma democracia que almeja soberania popular, a comunicação social deveria estar a serviço da formação crítica da cidadania, da promoção de valores republicanos e da pluralidade de vozes. No entanto, os programas policialescos oferecem o oposto: um espetáculo da dor, da criminalização da pobreza e da simplificação violenta dos conflitos sociais.
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1. Indução à Violência e à Solução Punitivista
Esses programas constroem uma narrativa onde a violência é solucionada com mais violência. Estimula-se uma visão burkalesca da justiça, em que o castigo físico e a humilhação pública são exaltados como respostas legítimas ao crime. O Estado de Direito é substituído pelo tribunal midiático, e o apresentador assume o papel de juiz e carrasco.
Essa lógica alimenta uma cultura de vingança social, incompatível com os princípios de direitos humanos e justiça restaurativa que fundamentam uma democracia. Cria-se uma percepção generalizada de que o “bandido bom é o bandido morto”, naturalizando o extermínio como política pública.
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2. Formação de uma Consciência de Extrema Direita
Os discursos veiculados nesses programas são, em sua maioria, estruturados em torno da dicotomia “cidadão de bem” vs. “marginal”. Esse maniqueísmo moral desumaniza segmentos inteiros da sociedade — notadamente jovens, negros e moradores de periferias — e legitima políticas autoritárias e discriminatórias.
Essa estética do medo e da punição serve de solo fértil para o avanço de um pensamento de extrema direita, que defende a supressão de garantias individuais, a ampliação do poder repressivo do Estado e a militarização da vida social. Programas desse tipo se tornam, assim, vetores ideológicos que aniquilam o “outro” como sujeito político, deslegitimando qualquer proposta de justiça social.
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3. Invisibilização das Causas Estruturais da Miséria e da Violência
Ao focarem na figura do “criminoso” como um ser individualmente mau, os programas policialescos ignoram as causas estruturais da criminalidade: desigualdade, racismo, ausência de políticas públicas, falta de acesso à educação e saúde, desemprego, habitação precária.
Essa omissão não é inocente — ela despolitiza a pobreza e naturaliza a exclusão social como se fossem frutos do destino, e não da má distribuição de renda e da omissão do Estado. Essa narrativa reforça a ideia de que os pobres são perigosos por natureza, ao invés de vítimas de um sistema excludente.
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4. O Impacto Sobre a Opinião Pública e a Política
Ao construir um imaginário social baseado no medo e na punição, os programas policialescos contribuem diretamente para a formulação de políticas públicas regressivas. Pressionam governos a adotarem medidas populistas e autoritárias, como o encarceramento em massa, a redução da maioridade penal e o aumento da letalidade policial.
Esse tipo de pressão mediática corrói os fundamentos democráticos, pois transforma a política em espetáculo e a justiça em vingança. A soberania democrática, que exige cidadania crítica, diálogo e direitos, é substituída por um estado de exceção televisivo, no qual a dignidade humana é substituída pelo ibope.
5. Crise de saúde mental, evasão e alta mortalidade de policiais: a lógica de guerra que adoece e mata os próprios agentes da segurança
A mlitarização da segurança pública, impulsionada por uma lógica de guerra às drogas e reforçada cotidianamente por programas policialescos na mídia, não apenas viola direitos fundamentais das populações periféricas, mas também cobra um preço altíssimo dos próprios policiais. Em 2023, o suicídio tornou-se a principal causa de morte entre policiais civis e militares da ativa no Brasil, com 110 casos registrados — número que supera as mortes em confronto com criminosos, evidenciando um colapso silencioso e negligenciado.
Além disso, dezenas de policiais perdem a vida anualmente em serviço, muitas vezes em condições precárias, mal preparados emocionalmente e com apoio psicológico praticamente inexistente. O esgotamento emocional tem levado a um abandono crescente da carreira: o Brasil perdeu mais de 30 mil policiais militares na última década.
Entre 2015 e 2022, mais de 12.500 policiais foram diagnosticados com transtornos como depressão, ansiedade e estresse pós-traumático.
Esses dados mostram que a lógica de enfrentamento violento é insustentável: ela adoece os agentes da lei, desumaniza os alvos da repressão e reforça um ciclo de sofrimento que precisa ser interrompido. A normalização da violência nos meios de comunicação contribui diretamente para essa engrenagem.
É preciso romper com essa narrativa para proteger não só a população, mas também os profissionais da segurança pública.
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