Abaixo-assinado PLS 72/2010
Para: Presidenta da República Federativa do Brasil
Brasília, 29 de novembro de 2011.
Excelentíssima Senhora
DILMA ROUSSEFF
Presidenta da República Federativa do Brasil
Brasília - DF
Senhora Presidenta,
Pela segunda vez, em menos de 15 dias, me reporto a Vossa Excelência para solicitar sua atenção e apelar ao seu senso democrático e de justiça quanto a temas de interesse do nosso País e das unidades federadas brasileiras.
No presente momento, desejo tratar do Projeto de Resolução do Senado nº 72/2010, de autoria do Líder do Governo, Senador Romero Jucá, que pretende fixar novas alíquotas interestaduais para o ICMS sobre produtos importados e do qual sou relator no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça.
Esta minha manifestação, Senhora Presidenta, se deve ao fato de que a Liderança do Governo pretende solicitar regime de urgência na tramitação desta matéria, o que nos parece precipitado e inadequado, pois será frustrado o amplo debate e se impedirá a análise aprofundada dos significativos impactos econômicos, sociais e fiscais dessa mudança no sistema de tributação do ICMS, principal fonte de receita dos estados federados.
A apresentação do PLS 72/2010, temos clareza, atende aos reclamos de certos segmentos da indústria brasileira, que atribuem aos incentivos fiscais e financeiros, concedidos por pelo menos 10 estados brasileiros com base no ICMS, um papel relevante no processo de desindustrialização do país.
Há, Senhora Presidenta, inúmeros equívocos nas avaliações realizadas no âmbito empresarial sobre os efeitos dos incentivos estaduais sobre a economia brasileira, mecanismos que são utilizados como forma de incrementar as atividades portuárias, os investimentos e a geração de empregos nos seus territórios.
A própria denominação que é dada ao fenômeno tem como base uma falsa visão, pois se fala em "guerra dos portos" que, supostamente, gera competição desigual dos bens importados com a produção nacional e perdas fiscais para os estados e municípios. O fenômeno a que estamos nos referindo é em verdade uma competição fiscal entre estados, saudável e eficaz na busca de um maior equilíbrio econômico entre as diversas regiões do País.
Os dados da descentralização econômica regional no Brasil nos últimos anos, amplamente divulgados pelo IBGE e IPEA, comprovam esta afirmativa. Em particular, o instrumento de redução do ICMS nas importações contribui para desconcentrar a atividade portuária no Brasil ao compensar tributariamente os custos logísticos mais elevados das regiões concedentes.
Estes instrumentos, além de reconhecidos no âmbito da Organização Mundial do Comércio, são praticados em larga escala nas economias mais avançadas, com normas que impedem a guerra fiscal, mas viabilizam uma salutar competição por instrumentos para potencializar as vantagens comparativas de cada região. A competição tributária induz à maior eficiência no modelo de arrecadação e, assim, beneficia seus contribuintes.
O uso de isenções tributárias precisa ser visto de forma clara e sem preconceitos em função de sua pertinência em casos e áreas específicos. O próprio governo federal lança mão desse recurso, inclusive do Imposto de Importação, para incentivar projetos que julga prioritários. Como exemplo, tem-se o caso do REPENEC (MP 472), regime especial que institui ampla e geral isenção de tributos federais para os investimentos da Petrobrás em downstream no Nordeste, Norte e Centro-Oeste. Há também o REIDI, criado em 2007, que isenta de tributos federais, inclusive importações de equipamentos e insumos, projetos na área de infraestrutura energética. O governo federal instituiu estes incentivos por duas razões: reduzir o custo Brasil e incentivar a desconcentração regional. É exatamente nessa direção que os incentivos estaduais se colocam, pautados por esses mesmos dois objetivos. Não haveria, pois, razão plausível que impedisse a articulação dessas iniciativas, em benefício da competitividade e da redução de desigualdades regionais.
Tem-se o crescimento das importações como um mal que precisa ser combatido, pois prejudica a produção nacional. Esta suposição não encontra acolhida na realidade das estatísticas econômicas brasileiras, pois 85% das importações em 2010 foram de bens intermediários (insumos industriais e combustíveis) e bens de capital, necessários à expansão e modernização da produção nacional. Por outro lado, dos restantes 15% das importações, representados por bens de consumo duráveis e não duráveis, boa parte são automóveis oriundos do Mercosul e do México, países com os quais o Brasil mantem acordos bilaterais.
As importações brasileiras são em geral complementares e não substitutas de produção nacional, sendo assim facilitadoras da geração de empregos e não destruidoras de empregos. Há, é certo, parcela das importações que impactam negativamente a produção nacional, mas isto se dá de forma localizada e em segmentos específicos, que podem receber tratamento especial no âmbito da política industrial e de comércio exterior.
Há ainda a crença de que a redução da tributação do ICMS contribua para a expansão das importações. Estudos recentes comprovam que o crescimento das importações é explicado em 99% pelo crescimento do PIB e pela taxa efetiva de câmbio, que se valorizou de forma significativa nos últimos anos.
No segundo semestre de 2011, com a combinação de desvalorização do câmbio e redução do ritmo de crescimento do PIB, as importações dão nítidos sinais de desaceleração, principalmente quando se observa o índice de quantum importado, notadamente na classe de produtos intermediários, que só no mês de outubro experimentaram uma queda de 5,1%. No acumulado do ano, merecem destaque as expressivas quedas apresentadas nos setores de metalurgia básica (-11,6%), equipamentos médico-hospitalares e de automação industrial (-11,0%). Mais impressionante ainda são as quedas observadas, na mesma base de comparação, para o capítulo Ferro Fundido, Ferro e Aço, que apresenta queda de 17,3%, em valor, e de nada menos do que 38,3% em quantidade.
Acredita-se também que a competição fiscal entre os estados impacte negativamente as suas receitas e, por conseguinte, a capacidade de proverem serviços aos seus cidadãos, investirem em infraestrutura e manterem o equilíbrio fiscal. Essa hipótese não se mostra verdadeira, pois a arrecadação de ICMS, que representava 6% do PIB em 1998, passou a 7,2% em 2009. Ademais, de 2001 a 2010, sob a égide da Lei de Responsabilidade Fiscal, os estados que vinham tendo sucessivos déficits primários apresentaram superávits em todos os anos.
Mas, não basta verificar os equívocos que estão a justificar a Resolução 72/2010, é preciso também projetar os seus efeitos negativos para a economia brasileira, caso venha a ser aprovada.
O primeiro efeito será uma provável elevação dos preços domésticos dos produtos antes importados pelos portões incentivados, uma vez que os mesmos ficarão submetidos à tributação cheia de ICMS. Grande parte dessas importações, vale a pena frisar, é realizada pelas próprias indústrias domésticas, o que imporia aumento dos preços dos seus produtos, com o consequente impacto inflacionário.
Por outro lado, com o fim dos incentivos se reduziria a demanda por transporte interestadual ao mesmo tempo em que haveria uma (re) concentração dos fluxos de importação no porto de Santos e um aumento de demanda por transporte interno no Estado de São Paulo, com origem em Santos. De fato, se o mesmo padrão de comportamento ocorrer em todos os portos dos Estados tradicionalmente "incentivadores", o aumento das importações entrando pelo porto de Santos seria de cerca de US$ 38 bilhões, mais de metade do fluxo total de importações atual nesse porto - sem contar o aumento natural já previsto em decorrência do cenário de crescimento do País nos próximos anos. Tal evento demandaria vultosos investimentos adicionais nas instalações portuárias em Santos, bem acima dos que atualmente estão programados.
Adicionalmente, a reconcentração voltará a expandir em São Paulo as conhecidas deseconomias de aglomeração associadas ao processo.
Estas observações demonstram, Senhora Presidenta, que os efeitos esperados da Resolução 72/2010, em termos de proteção à indústria nacional e de promoção do equilíbrio fiscal, não se confirmarão, posto que ela se baseia em pressupostos que não têm lastro na realidade brasileira.
Se fosse possível vislumbrar de forma clara e objetiva avanços para o nosso País, tenho absoluta certeza que todos os estados brasileiros que terão perdas com o novo sistema de tributação estariam dispostos a realizarem os sacrifícios necessários.
Ocorre, Senhora Presidenta, que, em verdade, esta mudança tributária não ajuda o Brasil e causa perdas econômicas e fiscais para vários estados que legitimamente se organizaram com o objetivo de promover o seu desenvolvimento econômico com geração de emprego e renda.
Os estados de Alagoas, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Paraná, Pernambuco, Santa Catarina, Sergipe e Tocantins são os mais afetados negativamente com a Resolução 72/2010, pois terão perdas de receitas públicas nos níveis estaduais e municipais e terão também significativas perdas econômicas devido à desestruturação de grande número de empresas que operam na atividade de comércio exterior.
Permita-me, Senhora Presidenta, mencionar de forma especial o caso do Estado do Espírito Santo, que represento no Senado Federal, uma vez que se trata do mais profundamente impactado, devido à longevidade (quatro décadas) do seu sistema de financiamento às importações, denominado Fundo de Desenvolvimento das Atividades Portuárias. Esse sistema foi criado por lei estadual em 1970, como forma de superar a grave crise econômica e fiscal gerada pela erradicação de 53,8% da lavoura cafeeira capixaba, à época a principal atividade econômica regional.
Ele se constituiu em importante ferramenta de fomento à diversificação econômica estadual e possibilitou a consolidação de ampla rede de operadores de comércio exterior, sobretudo, depois da abertura da economia brasileira no início da década de 1990. Neste ano de 2011, as importações realizadas sob a cobertura do sistema recolherão ao Tesouro Estadual o montante de R$ 2,4 bilhões de ICMS. Assim, a perda de receita dos municípios será de R$ 600 milhões e a perda do Governo Estadual, considerando os mecanismos do financiamento do sistema, será de R$ 360 milhões.
Mas é necessário considerar também as perdas econômicas que advirão com o fim do sistema. O comércio exterior no Espírito Santo envolve um total de 500 empresas, que geram 45.000 oportunidades de trabalho nesta atividade especializada. Essa rede de empresas forma a base de uma verdadeira Universidade de Comércio Exterior, que possibilita a formação de grande número de profissionais que ajudam o Brasil a expandir as suas relações econômicas internacionais.
A redução das alíquotas de ICMS interestadual para produtos importados para zero ou 2%, de forma abrupta como se pretende, fatalmente colocará este universo de empresas em situação falimentar e destruirá de forma imediata as oportunidades de empregos por elas geradas. Estima-se que o PIB estadual sofrerá uma redução da ordem de 7% já em 2012.
Para os capixabas é muito difícil aceitar a desestruturação de sua economia e das finanças públicas estaduais e municipais, pois foi grande o esforço empreendido nos últimos anos para arrumar a casa e poder sonhar com um crescimento econômico continuado e com a redução das desigualdades regionais e sociais.
O Espírito Santo, que de 1995 a 2000 apresentou elevados déficit orçamentários nas contas públicas, com muito trabalho, recuperou as finanças estaduais e apresentou expressivos superávits orçamentários de 2001 a 2010, com exceção para o ano de 2009, devido à crise internacional.
Infelizmente o Espírito Santo, embora seja o estado mais profundamente atingindo, não será o único. Dentre os estados citados, cabe realizar uma avaliação especial dos impactos desta mudança sobre Santa Catarina, Goiás e Mato Grosso do Sul.
Assim, Senhora Presidenta, apelo ao espírito democrático de Vossa Excelência no sentido de garantir que se realize no tempo que for necessário um amplo debate sobre as mudanças tributárias propostas, de forma que se possa avaliar em profundidade os seus impactos e a sua forma de implementação, sem que haja a desestruturação das economias estaduais e se prejudique o crescimento do Brasil.
Até o presente momento, as análises realizadas, a partir das informações disponíveis, nos criaram a convicção de que a Resolução 72/2010, conforme proposta, não ajuda o Brasil e causa sérios prejuízos econômicos, sociais e fiscais a vários estados da Federação.
Contudo, se for imprescindível a sua implementação para o desenvolvimento do País, é indispensável que haja tempo suficiente para realização de negociação de regras claras e seguras de transição, capazes de possibilitar o tempo necessário à adaptação dos estados e municípios às novas regras fiscais e ao novo contexto econômico.
Por isto, registro meu pedido para que Vossa Excelência oriente a Liderança do Governo no Senado Federal a não solicitar regime de urgência para a tramitação da matéria.
Respeitosamente,
Senador Ricardo Ferraço
PMDB - Espírito Santo