Carta aberta à Câmara Municipal de Campinas sobre o ENEM e Simone de Beauvoir
Para: Câmara Municipal de Campinas
Nós, educadores e cidadãos interessados em uma educação democrática abaixo-assinados,
manifestamos nossa total contrariedade ao teor da moção de protesto da Câmara Municipal de
Campinas à inclusão de uma questão acerca do pensamento da intelectual francesa Simone de
Beauvoir no ENEM de 2015.
Concordando ou não com as ideias da pensadora francesa – ainda que os primeiros signatários e
redatores desta carta, participantes do Curso de Extensão ‘Metodologias Dialógicas de Formação’,
que acontece na Escola de Extensão da UNICAMP, concordemos sobre o questionamento do papel
secundário que a sociedade, tanto a atual quanto a da época em que Simone de Beauvoir escrevia,
tem relegado às mulheres – o que nos inquieta e desconforta é o posicionamento que se verifica
nessa Câmara ao:
- preferir a censura ao debate de ideias – testar os limites dos pensamentos dos grandes
autores, verter-lhes oposição dialogada e argumentativa parece ser mais democrático e
potente que imputar-lhe origem demoníaca e exigir a sua exclusão;
- preferir o silêncio obediente ao coro polifônico que pode lhe ser contrário, esquecendo
que ao poder legislativo cabe representar todos, não só a maioria; nem que seja para
lembrar os tempos de Roma em que os primeiros cristãos insurgiam-se contra a ordem
estabelecida que ditava ser indecente a obediência a um só deus;
- clamar os direitos humanos para perverter-lhe a liberdade de consciência e religião,
sentindo-se ultrajada por não ser respeitada, mas desrespeitando os posicionamentos
minoritários contrapondo a eles um discurso de punhos cerrados, de força, de proibição
e de hipocrisia; pois o livro que lhe é caro fala de um Profeta que desfez dos ricos e
poderosos, acercou-se de prostitutas e leprosos, enfrentou multidão e morreu entre
ladrões, julgado pelas pessoas de bem;
- descrer das capacidades de cada um que, tornado leitor proficiente, pode entender as
várias intenções e vozes que partem de um texto ou que a ele se referem – o espírito
educado de cada um não adestra um servil seguidor de ideias prontas em frases curtas e
slogans, conforma um altivo sujeito que sabe ler os vários textos, seus subtextos,
intertextos e contextos, e não se deixa ludibriar por qualquer fala inflamada.
Nossa intenção não é vetar a moção de protesto ou escondê-la do julgamento da História, nossa
intenção é convocar ao diálogo, para que sejam esgrimidos os melhores argumentos e ideias e,
assim, se constitua uma ação política que não permita que pessoa alguma se sinta excluída ou
diminuída dos seus diretos por viver ou expressar sua religião, sua cultura étnica, sua orientação
sexual, sua pertença de classe ou que queira expressar seu incômodo por sentir-se oprimida ou
desvalorizada por ser ou sentir-se mulher, por ser ou fazer-se indígena, por ser negro ou sofrer
discriminação étnico-racial, por possuir alguma característica de nascimento, de inclusão em grupo
social, de expressão de sua individualidade que não se coadunem com as expressões
majoritariamente aceitas ou valorizadas pela sociedade brasileira e por seu Estado, neste momento.
Propugnando pelas mais amplas liberdades democráticas e por igualdades que fortaleçam a
fraternidade e a solidariedade entre diferentes, subescrevemo-nos,