Carta Aberta dos Médicos da Atenção Primária à Saúde ao Secretário da Saúde do Município de São Paulo, Sr. José de Filippi Júnior
Para: Secretário da Saúde do Município de São Paulo, Sr. José de Filippi Júnior
CARTA ABERTA AO SECRETÁRIO DA SAÚDE DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, SR. JOSÉ DE FILIPPI JÚNIOR
Prezados médicos da Atenção Primária à Saúde do município de São Paulo, a carta abaixo será enviada por e-mail para o Sr. Secretário da Saúde com cópia para todas as Coordenadorias Regionais de Saúde, Supervisões Técnicas de Saúde e Organizações Sociais da Saúde e Parceiras contratadas pela Secretaria Municipal de Saúde da cidade de São Paulo. Caso concorde com o texto da carta, assine-a digitando os dados solicitados. Os assinantes serão relacionados por ordem alfabética ao final do texto quando do envio para os destinatários supracitados.
São Paulo, 18 de fevereiro de 2014,
Ao Sr. Secretário de Saúde do Município de São Paulo, Sr. José de Filippi Júnior,
Nós, médicos da Atenção Primária à Saúde (APS) do município de São Paulo, contratados por Organizações Sociais da Saúde (OSS) e Parceiras:
1. Considerando o Chamamento Público para Seleção de Organização Social para Gestão da Rede Assistencial de Saúde da Supervisão Técnica de Saúde de Parelheiros(1), publicado no Diário Oficial do Município de São Paulo de 17 de janeiro de 2014, que fixou como meta assistencial a realização de 480 consultas por mês por cada médico da APS do município de São Paulo, em consonância com a elevação de 25 para 30 horas por semana da quantidade de horas dedicadas por cada médico à realização de consultas.
2. Considerando a Portaria do Ministério da Saúde nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010(2), que estabelece diretrizes orientadoras para a implementação da Rede de Atenção à Saúde no âmbito da APS e afirma, no capítulo CONCEITOS, que as ações de EDUCAÇÃO PERMANENTE e educação popular são igualmente importantes para a “implementação de um modelo de atenção de saúde pautado na defesa da vida”.
3. Considerando a Portaria do Ministério da Saúde nº 2.488, de 21 de outubro de 2011(3), que aprova a Política Nacional da Atenção Básica e afirma, no capítulo EDUCAÇÃO PERMANENTE DAS EQUIPES DE ATENÇÃO BÁSICA, que:
“A consolidação e o aprimoramento da Atenção Básica como importante reorientadora do modelo de atenção à saúde no Brasil requer um saber e um fazer em EDUCAÇÃO PERMANENTE que sejam encarnados na prática concreta dos serviços de saúde. A EDUCAÇÃO PERMANENTE deve ser constitutiva, portanto, de qualificação das práticas de cuidado, gestão e participação popular.”
“Nesse sentido, a EDUCAÇÃO PERMANENTE, além da sua evidente dimensão pedagógica, deve ser encarada também como uma importante "estratégia de gestão", com grande potencial provocador de mudanças no cotidiano dos serviços...”.
5. Considerando ainda a Portaria do Ministério da Saúde nº 2.488, de 21 de outubro de 2011(3), que prevê, também, a possibilidade de dedicação pelo médico de até 8 horas semanais para atividades de especialização em Medicina de Família e Comunidade (MFC), residência multiprofissional e/ou de MFC, bem como atividades de educação permanente e apoio matricial (capítulo ESPECIFICIDADES DA EQUIPE DE SAÚDE DA FAMÍLIA, item V).
6. Considerando que o Chamamento Público para Seleção de Organização Social para Gestão da Rede Assistencial de Saúde da Supervisão Técnica de Saúde de Parelheiros(1), prevê, na hipótese de não cumprimento das metas de PRODUÇÃO ASSISTENCIAL, desconto proporcional nos recursos previstos para repasse às OSS, que incidirá sobre 95% do valor global de custeio pactuado no Contrato de Gestão (item 7.3.4 do “CHAMAMENTO PÚBLICO”).
7. Considerando que o Chamamento Público para Seleção de Organização Social para Gestão da Rede Assistencial de Saúde da Supervisão Técnica de Saúde de Parelheiros(1) prevê, na hipótese de não cumprimento das metas de QUALIDADE, desconto proporcional nos recursos previstos para repasse às OSS, que incidirá sobre 5% do valor global de custeio pactuado no Contrato de Gestão (item 7.3.5 do “CHAMAMENTO PÚBLICO”).
8. Considerando que há ampla evidência científica de que o desenvolvimento profissional continuado dos trabalhadores da APS resulta em elevação da qualidade dos cuidados prestados(4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18), bem como é intuitivo e desnecessário comprovar cientificamente que o desenvolvimento profissional continuado dos trabalhadores de qualquer empresa de qualquer área de atuação é benéfico para a melhora dos serviços por ela oferecidos.
Embora concordemos que a elevação das horas dedicadas por cada médico à realização de consultas traga benefícios imediatos aos usuários uma vez que aumenta a oferta de atendimentos à população, discordamos de que a elevação da expectativa de consultas realizadas por cada médico para 480 por mês seja benéfica ao desenvolvimento da APS no município de São Paulo a médio e longo prazo por gerar desarmonia grave entre a QUANTIDADE de atendimentos oferecidos e a QUALIDADE dos mesmos, uma vez que a realização de tal QUANTIDADE de consultas não é compatível com a dedicação de horas durante a jornada de trabalho para atividades imprescindíveis para o incremento contínuo da QUALIDADE dos cuidados prestados pela APS como, por exemplo, capacitações em protocolos, matriciamentos, desenvolvimento de pesquisas científicas, discussões de casos, cursos, atualizações, congressos, simpósios e desenvolvimento profissional continuado.
Nessa linha, na hipótese de ser mantida nos Contratos de Gestão a serem celebrados em breve entre a SMS/SP e as OSS a cláusula que prevê a redução de repasses financeiros como forma de punição em caso de não cumprimento da expectativa de 480 consultas por mês por médico, a dedicação de tempo às atividades que não sejam consultas restará inviabilizada pela SMS/SP e em conflito com as Portarias do Ministério da Saúde números 4.279, de 30 de dezembro de 2010(2), 2.488, de 21 de outubro de 2011(3), com a literatura científica internacional(4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18) e com a patente evidência de que o desenvolvimento profissional continuado dos trabalhadores de qualquer empresa de qualquer área de atuação é benéfico para os clientes por ela atendidos.
Ademais, o “Chamamento Público para Seleção de Organização Social para Gestão da Rede Assistencial de Saúde da Supervisão Técnica de Saúde de Parelheiros”(1), nos itens 7.3.4 e 7.3.5, valoriza amplamente as metas de PRODUÇÃO em relação às metas de QUALIDADE uma vez que determina descontos proporcionais de 95% e 5% respectivamente sobre o valor global de custeio do Contrato de Gestão caso não sejam cumpridas. Ou seja, o “Chamamento Público para Seleção de Organização Social”(1), já publicado pela SMS/SP confere às metas de PRODUÇÃO importância 19 vezes maior do que às metas de QUALIDADE, confirmando doravante a percepção disseminada entre os profissionais da APS de que a QUANTIDADE de consultas realizadas nas UBSs do município de São Paulo é sobrevalorizada pela SMS/SP em detrimento da QUALIDADE dos atendimentos oferecidos.
Deste modo, certos de que, assim como nós, o Sr. Secretário da Saúde também deseja o aumento contínuo da QUALIDADE dos cuidados ofertados na APS do Município de São Paulo, e não apenas o aumento da QUANTIDADE de atendimentos, solicitamos à SMS/SP que:
1 - Seja cumprida a Portaria do Ministério da Saúde nº 2.488, de 21 de outubro de 2011(3), que permite a dedicação pelos médicos da APS de até 8 horas por semana para o DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL CONTINUADO.
2 - Seja mantida a dedicação de 25 horas semanais por cada médico para realização exclusiva de consultas e, deste modo, seja garantido tempo para o DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL CONTINUADO nos termos da Portaria do Ministério da Saúde nº 2.488, de 21 de outubro de 2011(3).
3 - Seja reduzida nos “Chamamentos Públicos” a meta, ou “Capacidade de Produção” esperada de consultas, para 400 por mês por médico da APS, em harmonia com a dedicação de 25 horas por semana por médico da APS à realização de consultas e com a dedicação de tempo ao DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL CONTINUADO.
4 - Seja conferida pela SMS/SP nos “Chamamentos Públicos”, em oposição à supervalorização da QUANTIDADE de atendimentos produzidos existente no “Chamamento Público para Seleção de Organização Social para Gestão da Rede Assistencial de Saúde da Supervisão Técnica de Saúde de Parelheiros”(1) e em conformidade com a intenção de se elevar permanentemente a QUALIDADE dos cuidados prestados pela APS, maior importância às metas de QUALIDADE em relação às de QUANTIDADE por meio de alteração nos percentuais de 5% e 95% respectivamente de descontos proporcionais nos repasses previstos caso não sejam cumpridas.
Respeitosamente,
Médicos da Atenção Primária à Saúde do Município de São Paulo abaixo assinados
Referências Bibliográficas:
1. Diário Oficial do Município de São Paulo, 17 de janeiro de 2014, Chamamento Público para Seleção de Organização Social para Gestão da Rede Assistencial de Saúde da Supervisão Técnica de Saúde de Parelheiros.
2. Brasil, Ministério da Saúde, Portaria nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010.
3. Brasil, Ministério da Saúde, Portaria nº 2.488, de 21 de outubro de 2011.
4. Christensen H, Griffiths KM, Gulliver A, Clack D, Kljakovic M, Wells L. Models in the delivery of depression care: a systematic review of randomised and controlled intervention trials. BMC Fam Pract. 2008;9:25.
5. Gilbody S, Whitty P, Grimshaw J, Thomas R. Educational and organizational interventions to improve the management of depression in primary care: a systematic review. JAMA. 2003;289(23):3145-51.
6. Bower P, Gilbody S. Managing common mental health disorders in primary care: conceptual models and evidence base. BMJ. 2005;330(7495):839-42.
7. Gomes LF, Nunes JM, Queiroz V. Educação médica contínua: um projecto estruturante. Sem Méd. 1998;26(1):37.
8. European Academy of Teachers in General Practice. Agenda educativa EURACT. Rev Bras Med Fam e Com. 2006;(Supl. 1):77-124.
9. Boland M. William Pickles Lecture 1991. My brother’s keeper. Br J Gen Pract. 1991;41(348):295-300.
10. Davis DA, Thomson MA, Oxman AD, Haynes RB. Changing physician performance. A systematic review of the effect of continuing medical education strategies. JAMA. 1995;274(9):700-5.
11. Davis D, O’Brien MA, Freemantle N, Wolf FM, Mazmanian P, Taylor-Vaisey A. Impact of formal continuing medical education: do conferences, workshops, rounds, and other traditional continuing education activities change physician behavior or health care outcomes? JAMA. 1999; 282(9):867-74.
12. Gomes LF. Plano regional de educação médica contínua do Algarve. Lisboa: ARS; 2008.
13. Gomes LF. UEMO 2009/028: CME/CPD in general practice/ family medicine, time for decisions. London; 2009.
14. Heyrman J, Lember M, Rusovich V, Dixon A. Changing professional roles in primary care delivery: training, re-accreditation, and the role of professional groups. In: Saltman R, Boerma W, Rico A. Primary care in the driver’s seat. London: European Observatory of Health Care Systems; 2006.
15. General Medical Council. Guidance on continuing professional development. London; 2004.
16. Royal College of General Practitioners. Good CPD for GPs: a strategy for developing the RCGP managed continuing professional development (CPD) scheme. London; 2007.
17. EURACT. Desenvolvimento profissional continuado em cuidados de saúde primários: integração do desenvolvimento da qualidade com a educação médica contínua. Lisboa: APMCG; 2003.
18. Demarzo MMP, Marin A, Anderson MIP, Castro Filho ED, Kidd M. Desarrollo de estándares para la educación y formación en medicina familiar y comunitária: contribuciones de la WONCA IberoAmérica (CIMF). Aten Primaria. 2011;43(2):100-3.