Abaixo-assinado Carta aberta à Direção do Colégio Rio Branco – Unidade Higienópolis.
Para: Carta aberta à Direção do Colégio Rio Branco – Unidade Higienópolis.
São Paulo, 01 de outubro de 2012
Carta aberta à Direção do Colégio Rio Branco – Unidade Higienópolis.
Nós, ex-alunos do Colégio Rio Branco abaixo assinados, gostaríamos de expressar nosso apoio às seguidas manifestações e debates promovidos pelos alunos do Ensino Médio, diante da instalação de câmeras de vigilância no interior das salas de aula. Do mesmo modo, repudiamos as ações da Coordenação e Diretoria no que diz respeito tanto à instalação das câmeras de vigilância, quanto à ausência de diálogo e compromisso pedagógico, sinalizada, sobretudo, na suspensão de 107 estudantes no dia 24 de setembro de 2012.
A decisão de suspender os 107 alunos foi baseada no Estatuto do Colégio que prevê punição àqueles que não cumprem devidamente o horário de sala de aula. No entanto, evidentemente trata-se de uma discussão política acerca de temas que conduzem a vida na escola e que, num contexto apropriado, deveriam ter sido debatidos no tempo devido, com a calma, atenção e participação que se esperaria de uma ambiente pedagógico e democrático. Mesmo ausentando-se da discussão previamente à instalação das câmeras, a direção optou por punir 107 de seus alunos em seu último ano de estudo, marcando definivamente a relação destes com a escola que há tantos anos frequentam.
É positivo, e ao mesmo tempo sintomático, que tantos jovens reivindiquem mais diálogo e democracia dentro de seu próprio colégio. Alegra-nos ver que – ainda que imersos em um ambiente que tem se demostrado cada vez menos favorável ao pensamento crítico – esses estudantes consigam questionar práticas que aproximam o ambiente escolar ao modelo do panóptico, concebido por Jeremy Bentham ainda no século XVIII, visando modernizar os mecanismos disciplinares, punitivos e de vigilância coletiva no sistema prisional britânico. O tema foi objeto de extensa análise pelo pensador francês Michel Foucault e eternizou-se na figura do Big Brother em ‘’1984’’, obra na qual George Orwell elaborará sua crítica ao totalitarismo.
Cabe ressaltar que a eficiência das câmeras em sala de aula no combate à violência, bullying ou “cola” em provas é absolutamente questionável. Como apontou o notório jurista Oscar Vilhena, em entrevista ao jornal “O Estado de São Paulo” acerca do debates sobre segurança em escolas americanas, há uma série de pesquisas que mostraram que a adoção de recursos de monitoramento não é eficaz. A instalação de dispositivos dessa natureza parece revelar uma profunda crise pedagógica e retira do horizonte educacional qualquer possibilidade de vínculo horizontal entre educadores e educandos.‘’A relação pedagógica só da certo quando há relação de confiança mútua’’, lembra Vilhena. O descaso em relação a espaços de debate franco não só fragiliza a cultura democrática, mas também dificulta a formação de jovens aptos a refletir e interferir nas questões fundamentais de sua vida pública, superando a mera reprodução mecânica de conteúdos.
Lamentamos não estarmos surpresos com as medidas tomadas pela direção e coordenação do Colégio Rio Branco. Não é de hoje que assistimos a uma série de processos que afastam esta escola do compromisso com uma educação cidadã e crítica. Nesse sentido, cabe retomar eventos como os de 2002, nos quais alunos do terceiro ano do Ensino Médio foram punidos após manifestação contra a alocação de seguranças particulares em cada um dos andares da escola. Os agentes, estranhos ao cotidiano dos alunos, foram introduzidos sem qualquer consulta ou justificativa aos pais e estudantes.
Em 2009, a Polícia Militar foi chamada para acompanhar a comemoração dos alunos do último ano, que ocorria em frente à escola. Os estudantes se pintavam com tintas e cantavam, enquanto a coordenadora pedagógica do segmento gritava ameaças de suspensão. Na ocasião, a ponderação e diálogo ficaram a cargo dos policiais militares. Em 2011, evento semelhante contou novamente com a presença da PM e, dessa vez, a coordenação do colégio ligou a cada uma das famílias para consultar se os pais estavam cientes do que faziam seus filhos. Muitos pais não só sabiam e aprovavam a comemoração, como se mostraram surpresos com o tom acusativo das ligações e com a ineficiência dos pedagogos em conciliar o desejo festivo e ritual dos formandos com o bem estar dos outros estudantes, sem que tivessem de recorrer a ameaças ou presença da PM.
Para além da militarização do espaço escolar, a confiança entre educandos, educadores e direção se mostra profundamente abalada. Desde 2010, passou a exigir-se dos alunos do Ensino Médio a apresentação de documento com foto aos seus professores – com os quais convivem semanalmente – para realização de provas regulares em sala de aula. Isso atesta a delinquência e fraudulência inerente aos estudantes ou a ineficiência do método educacional e avaliativo? Teríamos poucas esperanças no futuro se optássemos pela primeira opção.
Pactos pedagógicos em frangalhos, métodos avaliativos falhos, ausência de diálogo e democracia, políticas de vigilância e punição coletiva, espaços militarizados, e ausência de compromisso com uma educação emancipadora e crítica são elementos que caracterizam muitas instituições de ensino na atualidade. Lamentamos que o Colégio Rio Branco seja mais um exemplo.
Devemos, por fim, manifestar nossa mais profunda admiração a todos os professores, alunos e funcionários que estão ou estiveram nessa escola dedicando-se a fazer a diferença dentro deste cenário, muitas vezes à sua revelia. Apoiamos a vitalidade, a disposição e o espírito democrático e contestador dos alunos punidos. Essa é uma prova de que o espírito crítico pode superar a natureza das instituições que o cerca. Esperemos que, como nós, eles também preocupem-se futuramente com os destinos de sua escola, um espaço especial de formação e carinho na vida de qualquer cidadão.
Caio M. Ribeiro Favaretto
Pedro Ferraracio Charbel